Quem é atleta ou acompanha atletas sabe que um dos maiores desafios são as lesões. Neste artigo o objetivo não será abordar as estratégias nutricionais inerentes à diminuição do risco de lesão, mas sim, que estratégias podemos manusear para que o retorno aos treinos e competições sejam as mais eficazes, seja do ponto de vista cronológico como de sucesso da recidiva.
Após uma lesão/cirurgia é um momento crítico e de oportunidade para os atletas mudarem os seus hábitos alimentares, com o intuito de diminuir o tempo de recuperação e de melhoria do rendimento pós lesão. Neste resumo de estratégias a adotar vamos nos focar nos requisitos de energia e consequentemente nas necessidades dos diversos macro e micronutrientes assim como suplementação. O objetivo é fornecer e clarificar ao máximo aquilo que é realmente importante e devem ter em conta durante o processo.
Antes de iniciar o tópico principal (nutrição) gostava de deixar aqui alguns dados curiosos relativamente às lesões. Sabiam que nas primeiras 2 semanas pós lesão/cirurgia pode ocorrer uma diminuição de 0,5% ao dia de atrofia muscular acompanhada com uma diminuição de 50% da síntese proteica muscular (MPS) o que corresponde por exemplo a uma perda de 150-400g/ 2 semanas de tecido muscular numa única perna (uma perda de 8% de massa muscular evidencia em média um declínio de força em 23%). A atrofia muscular é multifatorial e pode ser induzida parcialmente pelo estado inflamatório e hormonal agudo (e claramente pelo desuso). Este estado induz também uma diminuição de cálcio ósseo e sensibilidade à insulina ao contrário da deposição de gordura que é aumentada.
Começando pelo básico (que normalmente é completamente declinado pelos demais) o balanço energético é de extrema importância e deve ser o aspeto mais importante a ter em conta. Por consequência da diminuição/paragem do exercício o atleta tende a fazer 2 erros: ou restringe muito a alimentação ou come de tudo e mais alguma coisa. Em primeira instância alguns atletas tem um medo danado pelo ganho de peso em excesso e pelo suposto aumento de tempo a voltar a estar em forma. Por outro lado, temos o atleta desmotivado que com a pausa do exercício tende a comer tudo o que lhe aparece pela frente. E qual dos dois está certo? Nenhum! O balanço energético ocupa um lugar de destaque pela sua capacidade de sustentar ao máximo a massa muscular (se houver défice energético os aminoácidos serão oxidados e não serão utilizados para a MPS), já que neste período o fator anabólico principal está descartado (exercício físico). De referir que o processo de cura envolve um aumento entre 15 a 50 % do metabolismo basal e o ato de deambular com muletas pode aumentar 2 a 3 vezes mais a energia despendida para essa função. Por outro lado, a diminuição da renovação proteica e o facto do membro lesionado pertencer ao ato de deambular leva a uma diminuição do gasto calórico total. Balanços energéticos positivos levam-nos a aumentos inflamatórios e ganhos de gordura indesejáveis. Balanços energéticos negativos providenciam diminuição da síntese proteica muscular e interfere com a cicatrização.
O segundo ponto mais importante é a quantidade e qualidade da proteína ingerida. Na prática clínica um dos maiores erros que assisto é a diminuição do consumo proteico nos dias de descanso. Vamos pensar em conjunto e fazer uma analogia ao futebol: se o exercício físico, ativa a MPS em 2 pontos e a proteína em 1 ponto, em dias de exercício com proteína temos 3 pontos, somamos uma vitória. Em dias de descanso temos 0 pontos pelo exercício, mas se pelo menos conseguirmos 1 ponto pela proteína ainda vamos buscar um empate em vez de uma derrota. Esta analogia é transversal ao atleta lesionado de uma forma ainda mais preponderante. De uma forma simplista o papel do nutricionista é dar cerca de 4 a 6 refeições com uma quantidade proteica entre 0,3 e 0,4g/kg de preferência com 3g de leucina para combater o máximo possível a resistência anabólica.
As quantidades dos restantes macronutrientes devem ser em função das necessidades energéticas, sendo que os ácidos gordos ómega-3 podem ter um papel benéfico ao nível da sensibilidade anabólica podendo se sugerir uma dosagem de 5g (EPA e DHA) diárias deste suplemento. Algo que os atletas estão ou deviam estar habituados a fazer é a periodização de hidratos de carbono. Nesta fase importante, uma vez mais, existe uma necessidade de periodização. O que muitas vezes acontece é uma diminuição substancial dos mesmos o que não é desejável, visto que, o atleta lesionado (embora em repouso numa fase inicial) tem um dispêndio energético superior pela própria cicatrização e pela dificuldade na locomoção (p.e. uso de canadianas).
A nível suplementar, a temida creatina que é um dos nossos maiores aliados (ou deveria ser), principalmente nos atletas lesionados. A suplementação de 20g durante 5 dias seguido de uma toma de 5g diários parece diminuir a atrofia muscular e potenciar o aumento de massa muscular aquando do regresso aos treinos. A vitamina D principalmente no inverno deve ser otimizada. A utilização de análises clínicas principalmente nesta fase critica pode ser importante visto que valores inferiores a 75nmol/L de 25(OH)D sérica pode prejudicar a regeneração muscular. Os polifenóis principalmente provenientes da dieta podem ser bastantes úteis para ajudar a melhorar a recuperação da função muscular, redução da dor e inflamação. Caso seja difícil dar uma dieta rica em polifenóis a cereja de Montmorency/ Tart Cherry pode ser uma boa estratégia.
Para além do que deve ser ingerido, convém ter algum cuidado com o que não deve ser ingerido. As bebidas alcoólicas, por exemplo, podem afetar negativamente a síntese de colagénio e como tal prejudicar a reconstrução de novos tecidos.
De referir que existe uma necessidade acrescida de diferenciar recuperação de adaptação. Estes tipos de estratégias devem ser utilizados em caso de lesão e não em caso de dor muscular pós exercício, visto que, algumas delas podem inibir as adaptações desejáveis ao treino.
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